O juiz federal Antônio José de Carvalho Araújo e o trabalhador Amarildo Francisco dos Santos Silva em audiência de instrução na calçada, no bairro da Levada, em Maceió - Reprodução / TV Pajuçara

Porto Velho, RO - Já imaginou uma audiência de instrução do meio da rua? Foi exatamente isso que o juiz federal Antônio José de Carvalho Araújo fez para atender um trabalhador que vive há 10 anos em situação de rua. O caso aconteceu no bairro da Levada, em Maceió, e foi divulgado nesta semana.

Amarildo Francisco dos Santos Silva, 57 anos, trabalhou por mais de 20 anos como vigilante, mas por causa de um problema de saúde não pôde mais continuar na profissão. Foi pedindo ajuda a um homem que passava pelo bairro, que a história de Amarildo tomou um rumo diferente.

"Essa história compartilhei porque é justamente a forma como se deu que me chamou a atenção. Nós temos uma vara de juizado com cerca de 16 mil processos, só para vocês terem ideia. Todo mês nós recebemos cerca de 1.800 pessoas pleiteando benefícios de direitos sociais. Digo que foi um anjo da guarda, porque uma pessoa que trabalha diretamente comigo, o Douglas, um assessor muito preparado e trabalhador, indo até o mercado, na Levada, passou por lá, e o Amarildo pediu uma ajuda financeira".

"O Douglas foi além da ajuda material e parou para ouvir, a escuta empática, as pessoas querem ser ouvidas, não necessariamente querem apenas doação em dinheiro ou alimento. Elas têm uma história para contar. O Douglas disse: você tem um processo na justiça e está justamente com o juiz que eu trabalho", disse o juiz.

Amarildo tinha apenas uma única renda, que é o Benefício de Prestação Continuada (BPC), no valor de um salário mínimo. Ele corria o risco de perder esse benefício e precisava da audiência de conciliação.

"O Douglas me passou essa situação e, de imediato, eu disse: vamos fazer essa audiência. Porque não é um trabalho isolado, é um trabalho de rede de cooperação interinstitucional. A procuradora federal chefe, dra. Tatiana, o dr. Carlos, advogado do Amarildo, se prontificaram imediatamente para ir até o local. Conseguimos localizá-lo. Pessoas em situação de rua têm hipervulnerabilidade, têm prioridade de tramitação processual. Todos os riscos que a gente imagina que uma pessoa pode sofrer de acordo com as vulnerabilidades, a pessoa em situação de rua sofre praticamente todos. Quando é mulher ou criança é ainda pior a situação".

O magistrado contou que realizar a audiência na calçada da rua foi a saída mais ágil para o momento.

"Foi a forma que nós encontramos para trazer a solução o mais rápido possível, porque ele não tem contato telefônico nenhum. Acredito que, na ocasião, ele só estava com a identidade, bem desgastada, diga-se. E em uma situação de saúde alarmante visível. E existe um laudo pericial que identifica que ele tem um impedimento diante das barreiras existentes na sociedade. Foi essa forma encontrada para trazer celeridade e rapidez. Esse é um compromisso do Juizado Especial Federal em Alagoas".

"A ideia de fazer uma audiência numa situação de rua decorre da necessidade. Se for necessário, o magistrado ou a magistrada deve ir até a presença da população. Ou seja, não pode simplesmente um processo ficar demorando, a gente fala do acesso à justiça, um direito fundamental previsto na constituição", acrescentou o juiz federal Antônio José de Carvalho Araújo.

A agilidade e a improvisação de um tribunal ao ar livre, com cadeiras de plástico numa calçada pública, resultou em justiça social.

"O Amarildo conseguiu o benefício, está para ser implantado. Foi um acordo. A procuradora e o advogado concordaram, nós homologamos o acordo. E o dinheiro dos atrasados que ele tem para receber, também será expedido. Ele tem tudo para a gente atuar com a ideia de emancipação. A caridade é central, mas a emancipação é fundamental, porque faz com que a pessoa possa sair dessa exclusão radical social, que é a rua".


O juiz destacou que esse tipo de exemplo pode despertar novas audiências coletivas, visando pessoas em situação de vulnerabilidade.

"Não esperava (a repercussão). Agradeço os elogios e fico muito feliz, mas a nossa ideia foi compartilhar tanto por essa questão, talvez quem é religioso, eu sou espírita, diz muito ao momento, mas em especial foi a ideia de replicarmos. Inclusive, teremos um curso inovador aqui em Alagoas, sobre população em situação de rua, voltado para o sistema de justiça. A magistratura participará. Será em outubro. Temos várias formas de atuar e isso precisa ser replicado".

"Minha ideia é que seja replicada não exatamente a audiência apenas na rua, mas a ideia dos mutirões, como fazemos nas praças, para poder prestar um leque de serviços públicos necessários. O serviço público, para ser realmente eficiente e realizar direitos sociais e políticas públicas, ele precisa se ajustar em especial aos povos em vulnerabilidade socioeconômica. Ir até a presença da povo quando necessário, principalmente do povo carente, é central para o sistema de justiça e o poder judiciário", concluiu.

Fonte: TNH1