Por Montezuma Cruz
Antigo seringal na região do AbunãO vereador José Viana (MDB) queixava-se: “Hoje há milhares de famílias sem-terra e o Senhor Presidente da República resolveu desapropriar 12 seringais, inclusive Nova Vida e Milagres, onde há produção autorizada pelo próprio Incra.” Viana foi vereador de 1977 a 1983, e deputado federal de 1987 a 1991. Mora em Ji-Paraná, onde também reside o ex-deputado estadual Sadraque Muniz, outro emedebista histórico do tempo territorial.
No início dos anos 1970, o Incra publicava em jornais de Porto Velho sua intenção de assentar 7.100 famílias. O advogado e deputado Santana lamentava sete anos depois: “Quantas foram assentadas? Nem Nova Vida, nem Milagres, nem Cajazeiras, tampouco em São Domingos.”
Rondônia possuía então 23 milhões de hectares, dos quais cerca de 2 milhões de hectares (ha) estavam nas mãos de seringalistas. “O seringalista ganhava terras e o seringueiro era expulso; antes de ser medido o grupamento familiar já existia corretor vendendo a terra, a especulação corria solta”, protestava Santana.
A desapropriação dos seringais foi explicada em detalhes pelo advogado Amadeu Matzenbacher Machado na reportagem nº 16 desta série: OAB, 50 ANOS. “A única área que tivemos um tratamento diferenciado foi Corumbiara” – ele contou.
Naquele período, as licitações de velhos seringais e de terras na faixa de fronteira contemplaram a Cooperativa Mista dos Criadores do Estado de São Paulo, Moisés de Freitas, Agapito Lemos em sociedade com Firmino Rocha, Ovídio Brito e Fazenda Reunidas Corumbiara, entre outros com áreas superiores a 40 mil ha.
Conforme a documentação da CPI da Terra aberta em 1976 e encerrada em 1977, os lotes eram oferecidos ao preço médio 650 cruzeiros o hectare, muito acima das condições financeiras do lavrador comum – o posseiro, o seringueiro e o homem do campo de modo geral.
Tiveram sorte e privilégio os grupamentos familiares de seringalistas. Técnicos e engenheiros viajavam de helicóptero para vistoriar e medir as áreas. Quando se tratava de dar títulos definitivos de terra a mais de uma centena de famílias, o processo demorava.
Vereador José Viana dos Santos
Viana emocionava-se a cada semana de sessões no Salão Bohemundo Alvares Afonso da Câmara Municipal de Porto Velho, na Ladeira Comendador Centeno, possivelmente ignorando o modus operando do Incra, único a enfrentar seringalistas dispostos a não perder áreas imensas.
As tribunas da Câmara Municipal e da Câmara dos Deputados, em Porto Velho e Brasília, eram os únicos meios para a ressonância dos conflitos fundiários no antigo território federal.
“Quem acredita mais no Incra, quando ele solicita ao advogado dos posseiros [Agenor Martins de Carvalho] para que saiam e procurem outro lugar? Os chefes do Incra não cumprem mais com o dever, pois casos idênticos vêm acontecendo em outras regiões” – lamentava.
Em 1979, vereador e deputado estranhavam em seus pronunciamentos o fato de o então funcionário do Incra e aviador Moacir Luiz Alferes ocupar terras na área conhecida por Vida Nova, entre as linhas 86 e 94 do Projeto Riachuelo, em Ji-Paraná. Ali havia diversos títulos provisórios, muitas casas de madeira construídas, lavouras de café, lavoura branca e pastagem.
“Ele tem dinheiro e abriu um campo de pouso sem dar satisfação a quem quer que seja”, acusava Santana.
Apesar da ousadia o servidor fora intimado por carta pela Coordenadoria Regional do Incra em 17 de abril daquele ano, mas teimava em agir à sua maneira. Dizia-se pretendente a três mil hectares e seguia derrubando a mata para formar pastagem.
Viana emocionava-se a cada semana de sessões no Salão Bohemundo Alvares Afonso da Câmara Municipal de Porto Velho, na Ladeira Comendador Centeno, possivelmente ignorando o modus operando do Incra, único a enfrentar seringalistas dispostos a não perder áreas imensas.
As tribunas da Câmara Municipal e da Câmara dos Deputados, em Porto Velho e Brasília, eram os únicos meios para a ressonância dos conflitos fundiários no antigo território federal.
“Quem acredita mais no Incra, quando ele solicita ao advogado dos posseiros [Agenor Martins de Carvalho] para que saiam e procurem outro lugar? Os chefes do Incra não cumprem mais com o dever, pois casos idênticos vêm acontecendo em outras regiões” – lamentava.
Em 1979, vereador e deputado estranhavam em seus pronunciamentos o fato de o então funcionário do Incra e aviador Moacir Luiz Alferes ocupar terras na área conhecida por Vida Nova, entre as linhas 86 e 94 do Projeto Riachuelo, em Ji-Paraná. Ali havia diversos títulos provisórios, muitas casas de madeira construídas, lavouras de café, lavoura branca e pastagem.
“Ele tem dinheiro e abriu um campo de pouso sem dar satisfação a quem quer que seja”, acusava Santana.
Apesar da ousadia o servidor fora intimado por carta pela Coordenadoria Regional do Incra em 17 de abril daquele ano, mas teimava em agir à sua maneira. Dizia-se pretendente a três mil hectares e seguia derrubando a mata para formar pastagem.
Reprodução da revista Sina sobre os 30 anos da CPI da Terra, lembrados em 2007
Em Novo Horizonte, interior do Projeto Paulo de Assis Ribeiro, de Colorado do Oeste, José Pereira da Silva, o Pernambuco, tomava para si metade da área que se destinava à sede do novo núcleo urbano. Andava armado de revólveres e faria mais ao instalar dois portões na área que havia sido indenizada pelo governo federal, dificultando o acesso à sede do projeto de todos os que necessitavam trafegar pela estrada denominada Terceiro Eixo.
Pernambuco causaria problemas ao Incra, a partir do momento em que venderia toda a madeira recolhida na área de 16 Km² da sede do núcleo Novo Horizonte. Um grupo de colonos denunciou-o em carta ao ministro da agricultura Antônio Delfim Neto.
Santana generalizava ao acusar “todo o Incra”, porque, de um modo geral o Instituto também possuía alguns servidores capazes de tirar dinheiro do próprio bolso para auxiliar pessoas sem recursos. Em diferentes projetos, alguns servidores ocupando cargos com poder decisório socorriam colonos em diversas fases dos processos de obtenção do lote de terra. Um lanche aqui, um almoço ali, e assim os dias passavam até a autorização da ocupação.
Na história fundiária territorial havia as glebas Nova Vida e Vida Nova. Para o advogado Odacir Soares, a devolução de terras da União aos antigos proprietários de Nova Vida, esta em Ariquemes, constituía-se enriquecimento ilícito. Citava a existência de um parecer contrário do Consultor Geral da República, em resposta à indagação formulada pela Universidade Federal de Santa Maria (RS).
Odacir considerava grave a forma como o acordo tratava os posseiros: “(...) A cláusula quarta está redigida de forma degradante para a Nação, pois trata aqueles humildes brasileiros como gente de segunda classe.”
O vereador José Viana concordava: “Em sua maioria, os lavradores do Território foram sacrificados, massacrados e despejados.”
Havia mais de cinco anos, os conflitos só cresciam em Rondônia e disso tinha conhecimento o então presidente do Incra, economista Paulo Yokota. Também não ignorava que precisava agir com firmeza para desapropriar áreas de supostas posses com registros antigos.
Diversas áreas no Território não precisavam nem de desapropriação, porque não eram tituladas. E sucediam-se disputas de posse: de um lado, grupos que se diziam donos de grandes áreas alegadas como seringais, de outro posseiros com lavouras de subsistência, entre os quais os de Cajazeiras, Urupá, Itapirema, Boas Vistas e Muqui.
Em novembro de 1976, por ordens do secretário de segurança José Mário Alves da Silva, vieram presos de Presidente Médici – onde ficava o seringal – os colonos: Cilo Godoy, Enedino Ferreira, João Maria Cordeiro, e Onofre Bernardino da Silva.
Todos eles iriam depor a respeito da triste realidade do Muqui. As prisões repercutiram após o advogado Jerônimo Santana tê-las denunciado aos ministros da Justiça e do Interior, aos quais o Território de Rondônia era vinculado.
Em Urupá, aproximadamente oitocentas pessoas estavam ameaçadas de expulsão pelos grupos Calama e Rio Candeias, e pelo fazendeiro Valmar Meira. Segundo apurava Santana no Cartório Imobiliário de Porto Velho, o grupo Rio Candeias e o grupo Calama “não tinham nenhum hectare de terras na área Urupá-Itapirema.” Ali, o conflito envolvia mais de três mil pessoas.
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Fotos: Biblioteca IBGE, Alto Madeira, reprodução da revista Sina, de Cuiabá
* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Site GIRO CENTRALPVH não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.
Em Novo Horizonte, interior do Projeto Paulo de Assis Ribeiro, de Colorado do Oeste, José Pereira da Silva, o Pernambuco, tomava para si metade da área que se destinava à sede do novo núcleo urbano. Andava armado de revólveres e faria mais ao instalar dois portões na área que havia sido indenizada pelo governo federal, dificultando o acesso à sede do projeto de todos os que necessitavam trafegar pela estrada denominada Terceiro Eixo.
Pernambuco causaria problemas ao Incra, a partir do momento em que venderia toda a madeira recolhida na área de 16 Km² da sede do núcleo Novo Horizonte. Um grupo de colonos denunciou-o em carta ao ministro da agricultura Antônio Delfim Neto.
Santana generalizava ao acusar “todo o Incra”, porque, de um modo geral o Instituto também possuía alguns servidores capazes de tirar dinheiro do próprio bolso para auxiliar pessoas sem recursos. Em diferentes projetos, alguns servidores ocupando cargos com poder decisório socorriam colonos em diversas fases dos processos de obtenção do lote de terra. Um lanche aqui, um almoço ali, e assim os dias passavam até a autorização da ocupação.
Na história fundiária territorial havia as glebas Nova Vida e Vida Nova. Para o advogado Odacir Soares, a devolução de terras da União aos antigos proprietários de Nova Vida, esta em Ariquemes, constituía-se enriquecimento ilícito. Citava a existência de um parecer contrário do Consultor Geral da República, em resposta à indagação formulada pela Universidade Federal de Santa Maria (RS).
Odacir considerava grave a forma como o acordo tratava os posseiros: “(...) A cláusula quarta está redigida de forma degradante para a Nação, pois trata aqueles humildes brasileiros como gente de segunda classe.”
O vereador José Viana concordava: “Em sua maioria, os lavradores do Território foram sacrificados, massacrados e despejados.”
Havia mais de cinco anos, os conflitos só cresciam em Rondônia e disso tinha conhecimento o então presidente do Incra, economista Paulo Yokota. Também não ignorava que precisava agir com firmeza para desapropriar áreas de supostas posses com registros antigos.
Diversas áreas no Território não precisavam nem de desapropriação, porque não eram tituladas. E sucediam-se disputas de posse: de um lado, grupos que se diziam donos de grandes áreas alegadas como seringais, de outro posseiros com lavouras de subsistência, entre os quais os de Cajazeiras, Urupá, Itapirema, Boas Vistas e Muqui.
Em novembro de 1976, por ordens do secretário de segurança José Mário Alves da Silva, vieram presos de Presidente Médici – onde ficava o seringal – os colonos: Cilo Godoy, Enedino Ferreira, João Maria Cordeiro, e Onofre Bernardino da Silva.
Todos eles iriam depor a respeito da triste realidade do Muqui. As prisões repercutiram após o advogado Jerônimo Santana tê-las denunciado aos ministros da Justiça e do Interior, aos quais o Território de Rondônia era vinculado.
Em Urupá, aproximadamente oitocentas pessoas estavam ameaçadas de expulsão pelos grupos Calama e Rio Candeias, e pelo fazendeiro Valmar Meira. Segundo apurava Santana no Cartório Imobiliário de Porto Velho, o grupo Rio Candeias e o grupo Calama “não tinham nenhum hectare de terras na área Urupá-Itapirema.” Ali, o conflito envolvia mais de três mil pessoas.
Fotos: Biblioteca IBGE, Alto Madeira, reprodução da revista Sina, de Cuiabá
* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Site GIRO CENTRALPVH não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.
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